Obesidade e diabete — ao falarmos do impacto de abusos
adocicados, é natural nos lembrarmos desses males. Acontece que, quando são
criados laços fortes com duas enormes ameaças para a saúde, outras eventuais
relações são muitas vezes ofuscadas. Ainda assim, o chileno Fernando
Gomez-Pinilla, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados
Unidos, resolveu investigar um elo diferente: o de doses altas de açúcar com
piripaques na massa cinzenta. "Já sabíamos que a substância interfere em
mecanismos de saciedade no sistema nervoso central, disparando até compulsão
alimentar. Por isso, decidimos estudar se ela também comprometeria o
aprendizado e a memória", conta o neurocirurgião.
Para verificar a hipótese, Gomez-Pinilla ensinou ratos a encontrar a saída de
um labirinto. Na sequência, ofereceu por seis semanas uma dieta rica em
frutose, tipo de carboidrato simples presente nas frutas e em produtos
industrializados por ser um adoçante forte e barato. E então, mesmo treinados,
os animais tiveram dificuldade para vencer o desafio imposto pelos cientistas,
sinal de que os circuitos dentro do crânio estavam sofrendo para trabalhar com
tanta doçura. "A concentração de frutose utilizada foi bem elevada. Mas,
se passarmos isso para seres humanos, é uma quantidade possível de ser atingida
pela alimentação, principalmente ao considerarmos o crescente consumo do
ingrediente no mundo", ressalta o autor do artigo. "Acho que chamamos
a atenção para outro provável efeito do açúcar", arremata.
Além de observar o comportamento das cobaias, os pesquisadores analisaram a
massa cinzenta delas para ver se havia algo de errado. A descoberta é que o
envio de mensagens entre os neurônios realmente estava problemático.
"Embora seja essencial confirmar isso em levantamentos futuros, faz
sentido pensar que a ingestão de outros açúcares fora a frutose tenha o mesmo
resultado, porque eles agem de maneira semelhante", afirma Ivan de Araújo,
neurocientista brasileiro da Universidade Yale, nos Estados Unidos.
Uma das apostas dos experts para elucidar como esses carboidratos atrapalhariam
o raciocínio recai sobre a insulina. "Enquanto no resto do organismo o
hormônio está mais relacionado ao processo de colocar glicose dentro das
células, no cérebro ele também é neurotrófico", analisa o neurologista e
geriatra Matheus Roriz Cruz, coordenador do Ambulatório de Neurogeriatria do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Traduzindo: essa
molécula, quando em níveis ideais, promove o bom funcionamento de várias
regiões do encéfalo, e em especial o hipocampo, muito ligado à memória e ao
aprendizado. E daí? Daí que, ao se empanturrar com chocolate, o pâncreas produz
um monte de insulina — e tudo indica que esse excesso destrambelha de alguma
maneira sua atuação normal na cabeça.
"Os mecanismos exatos ainda não estão claros, porém existe a teoria de que
receptores específicos do hormônio localizados nas células nervosas fiquem
desregulados sob essas condições. Com isso, a substância não exerce seu papel
direito", analisa Gomez-Pinilla. De forma simplista, dá para dizer que é
uma espécie de resistência à insulina acima do pescoço.
Outra explicação é que a glicose, quando em taxas estratosféricas, incita a
fabricação dos temidos radicais livres. Por sua vez, essas partículas nocivas
danificariam a membrana que reveste os neurônios, afetando sua capacidade de
emitir impulsos elétricos, o que, na prática, culmina em uma mente pouco
afiada.
Agora, será que se esbaldar por um período restrito com bolachas recheadas,
sorvetes e afins já causaria toda essa confusão? "O tema é controverso,
mas, segundo alguns poucos estudos experimentais, sim. Uma dieta desregrada por
meses, associada ao sedentarismo, complicaria a cognição temporariamente",
informa, cauteloso, Roriz Cruz. "O que se sabe mesmo é que a ingestão de
muitos açúcares ao longo dos anos provoca diabete, uma enfermidade que aumenta
o risco de demências", destaca o nutrólogo Nelson Lucif Júnior, da
Associação Brasileira de Nutrologia, em Ribeirão Preto, no interior paulista (entenda
mais sobre o elo lendo abaixo.
Contra-ataque nutritivo
Naquela pesquisa da Universidade da Califórnia, uma turma dos ratos que antes
havia se entupido de refeições adocicadas depois recebeu um cardápio repleto de
ômega-3, gordura encontrada em peixes de águas profundas. Acredite se quiser,
os bichinhos voltaram a achar a saída do labirinto com facilidade. "Entre
outras razões, esse ácido graxo constitui a membrana celular dos neurônios.
Assim, atenua os efeitos dos radicais livres", declara Gomez-Pinilla.
Já as frutas, por contarem com bastante frutose, em uma primeira vista são
quase como vilãs na história. "Só que, na mesa, o nutriente vem
acompanhado de outras substâncias benéficas", diferencia a nutricionista
Cynthia Antonaccio, diretora da Equilibrium Consultoria, na capital paulista.
Entre eles, temos a vitamina C da laranja, as antocianinas do morango, o
resveratrol da uva... Todos antioxidantes que neutralizam os radicais livres.
Logo, o problema maior está em se encher de açúcar em si, esteja ele no
brigadeiro caseiro ou em bebidas industrializadas.
A ideia não é banir o carboidrato das refeições. Até porque, dentro do limite,
ele contribui para as atividades mentais. "Quando pouca glicose circula
pelo corpo, há um impacto negativo sobre a cognição", reforça Lerário.
Contudo, outras inúmeras opções alimentares que, pelo menos do ponto de vista
fisiológico, são bem mais completas do que o pó branco também oferecem esse
importante nutriente. "Mas nem ele está proibido, porque é uma fonte de
prazer. Sempre digo às pessoas para o utilizarem onde realmente faça a
diferença", ensina Cynthia. Em vez de adicioná-lo ao café ou para adoçar
frutas, melhor esperar para se deliciar com aquele bolo de aniversário do amigo
ou com a sobremesa feita pela sua mãe.
Atualmente, a recomendação é que não mais do que 10% das calorias diárias
venham por meio de açúcar adicionado, embora, de novo, menos é sempre mais
nesse contexto. Em uma dieta de 2 000 calorias, isso equivale a cerca de 50
gramas. Para não extrapolar, sempre fique de olho nos rótulos e, claro, atente
ao que coloca em receitas de doces ou nas bebidas. Uma colher de chá cheia
possui, em média, 5 gramas. Uma de sopa, 24. "Nessa conta não entram as
frutas in natura, os cereais integrais e por aí vai", acrescenta Cynthia.
Ao manter suas taxas de glicose em ordem, você até melhoraria seu ânimo.
"Em períodos de hipoglicemia, são ativados mecanismos de estresse. Ou
seja, a pessoa fica irritada e ansiosa", adverte Araújo. Por outro lado, o
excesso de açúcar no sangue também parece influenciar nesse quesito. Na
Universidade Loyola, nos Estados Unidos, cientistas mediram frequentemente a
glicemia de 23 mulheres por 72 horas ao mesmo tempo que as questionavam sobre
seu estado de espírito. Observe o que os autores escreveram na conclusão do
trabalho: "Grandes e bruscas variações nesse índice talvez estejam
associadas a humores negativos". Nem precisamos falar que essas oscilações
muitas vezes surgem quando colocamos guloseimas demais na boca.
"Mas devemos ressaltar que o levantamento foi realizado com voluntárias
diabéticas. Não dá para saber se essa variação é resultado da alimentação ou da
doença em si", contrapõe Roriz Cruz. Sem contar que o caminho poderia ser
o inverso. As integrantes avaliadas, por estarem ansiosas ou mesmo deprimidas,
comeriam mais besteiras e deixariam de tomar os remédios de forma adequada, o
que geraria as mudanças vistas no sangue. De qualquer jeito, fica o alerta. O
açúcar, de acordo com o dicionário Houaiss, pode ser brandura, suavidade
e meiguice. Em largas quantidades, porém, transforma-se em algo enjoativo e até
perigoso. Cabe a você defini-lo do melhor jeito para sua vida.
O diabete e a cuca
Se descontrolado, ele afeta a saúde mental O excesso de glicose no sangue,
característica dessa enfermidade, degenera, aos poucos, veias e artérias.
"Os vasos se estreitam, inclusive os que irrigam o cérebro", diz o
endocrinologista Antonio Carlos Lerário, da Universidade de São Paulo. Aí, os
neurônios morrem de fome, o que culmina em quadros demenciais. Isso sem contar
que o diabete tipo 2 faz subir a concentração de insulina. "A enzima que a
degrada também é responsável por quebrar a proteína beta-amiloide, precursora
da doença de Alzheimer", diz o neurologista Matheus Cruz. Portanto, para
regular os índices do hormônio, a enzima acabaria deixando intactas as
moléculas deflagradoras do apagão das lembranças.
Água com açúcar acalma?
Talvez essa seja a receita caseira mais conhecida para apaziguar o nervosismo.
"Em situações de estresse, há uma demanda por glicose. Ao satisfazê-la,
realmente pode surgir a sensação de tranquilidade", explica Lucif Júnior.
Só não vale usar a estratégia sempre. "Caso contrário, o corpo se acostuma
com o aporte extra e o benefício se esvai", esclarece Ivan de Araújo.
Tipos de doçura
Cada um dos açúcares tem suas particularidades. Veja abaixo
1 - Frutose
Adoça como poucos. Por isso, faz sucesso estrondoso na indústria.
Onde está: frutas,
mel, xarope de milho, bebidas industrializadas.
2 - Lactose
É composto de moléculas de glicose e sacarose. Muita gente tem dificuldade para
digeri-lo.
Onde está: leite e
seus derivados.
3 - Sacarose
Trata-se do resultado da união entre glicose e frutose.
Onde está: os açúcares
refinado, mascavo e cristal são as principais fontes.
4 - Glicose
Conhecida por ser a partícula mais usada pelas células para obter energia. É um
marcador para o diabete.
Onde está: frutas,
açúcar de mesa.
Fonte: revista saúde editora abril.